terça-feira, 9 de setembro de 2008

|O homem do Avesso|

Picava fumo meio sem jeito naquela hora sebruna;

Era um fumo dos buenos, amarelinho, “flor de tropa” do bolicho velho,

Era um homem dos buenos, bem gaúcho,“flor de tropa” de qualquer galpão.

 

Sua mão ainda ágil deslizava pelo cabo de uma faquinha sem marca,

Mas afiada feito língua de fofoqueira em dia depois de baile.

O fumo, estranha serpente inerte e contorcida, aos pouquinhos ia se

Transformando em um punhado de pequenos mundinhos, pedacinhos

E farelos de odores, sabores, desejos e prazeres ocultos

E a longo prazo de males bem conhecidos.

 

Cada mundinho de fumo parecia matutar:

“-Será palha ou Colomi?”

E o gaúcho nem aí...Dê-lhe faca e dê-lhe dedo!

Talvez picando seus medos nesse longo repetir.

 

Já era o terceiro naco picado assim a preceito,

Talvez abrindo caminho pra esfumacear o seu peito;

Pra fazer toda a fumaça se tornar nuvem no céu...

Mas todo o fumo rumava pra um saquinho de papel.

 

Não fumava, nem mesmo dos fabricados,

mas mesmo assim continuava a picar;”

“-Esse homem é do avesso, não dá pra se preocupar.”

Disseram uns companheiros...

“-Mas é um baita dum parceiro na hora de trabalhar.”

Já remendaram no ato com medo do pau pegar.

 

“-Do avesso é a vó torta!”, respondeu de relancina.

 

No mais ficou em silêncio por uns quilos de minutos,

Picando e picando fumo até outro naco ter fim.

 

Se vieram os companheiros,

Se vieram pra perguntar:

“-Porque picar tanto fumo

Se tu sequer vai fumar?”

“-Sanidade não tem preço...

Ou tu é mesmo do avesso

Ou então quer te mostrar.”

 

Ele respondeu no ato,

Como quem quer vale-quatro

Tendo na mão mais que um ás.

 

“-Ouvi no rádio umas coisas que me fizeram pensar...

Que me tiraram da caixa, me levaram de roldão

E que me deixam surpreso com tanta interrogação.”

 

“-Se tem faca que não corta,

Se tem luz que não clareia,

Se tem gênio que não pensa

E burro que não burreia.”

 

“-Se tem revólver que engasga,

Se tem galo que não briga;

Tem uns esbanjando bóia

E outros roncando a barriga.”

 

“-Me digam sem implicar...

O que é que tem demais picar fumo e não fumar?”

 

“-Se tem gente que se elege pra melhorar a nação

E se esquece do que disse logo depois da eleição;

Se tem pastor que arrecada pra distribuir aos irmãos

E quer sair do país com os pilas no culhão.”

 

“-Se tem polícia mal paga pra cumprir sua função

E por vez desconta a mágoa no couro do cidadão.”

 

“-Se o povo em vez de viver tem desviada a atenção

Porque só sai no jornal mensalinho e mensalão;

Se até no futebol tem juiz que é mesmo ladrão...”

 

“-Me digam sem implicar...

O que é que tem demais picar fumo e não fumar?”

 

“-Se tem ciclone em Torres, tornado em Muitos Capões,

Se o mundo todo desaba com ondas e furacões.

Se isso é fruto de uma espécie que planta devastação,

Suga a terra, cansa o ar e no final lava as mãos...”

 

“-Me digam sem implicar...

O que é que tem demais picar fumo e não fumar?”

 

“-Oigalê, bicho daninho!

Do avesso tá mesmo o mundo...

Eu tô aqui, picando fumo,

Bem quieto no meu cantinho!”


Antes do fim

É. As coisas são assim...


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