Não, Mariana, dessa vez não dá. Todo mundo lembra que no ano passado você devolveu quatro vezes o papelzinho até achar um nome que fosse da sua panelinha de colegas. E a idéia do amigo-secreto é justamente a integração. Como se não bastasse ter feito isso, você ainda saiu contando pelos corredores que escapou de tirar o chato do Marcelo, o panaca do Augusto e o idiota do Luis.
-E quanto é o valor do presente?
Ô, Mariana, parece que você nasceu ontem. Todo mundo sabe que a moeda oficial dos amigos-secretos é o valor de um CD. E todo mundo também sabe que isso é apenas um referencial fictício. Se você tirar alguém legal, vai ter que comprar algo melhor. E se você der um cheque-CD, o presente mais impessoal da face da Terra, provavelmente vai comprar o de valor mais barato e obrigar a pessoa que ganhou a completar com mais dinheiro na hora da troca. Um presente de grego.
-Quem é uma tal de Mara?
É aquela recepcionista da manhã que você nunca cumprimenta. Mas não se preocupe, Mariana, que muita gente também não sabe direito o seu nome. Você nunca perde seu precioso tempo conversando com os colegas no café. Frequenta só a roda da diretoria. Não faz questão de indicar um filme bom que está passando no cinema ou de trocar uma receita. Não comenta amenidades sobre a previsão do tempo, a rodada do brasileirão e o horóscopo.
-Vai ter aquela balela de descrever o amigo?
Querida colega, a entrega descritiva está para o amigo-secreto assim como o peru está para o Natal. Gerações e gerações de trabalhadores já tiveram a alegria de descrever um colega com palavras espirituosas e emocionadas. Muitas amizades fora do horário comercial surgiram daí. Desse jeito, vão acabar descrevendo você como a criatura mais antipática da firma. E se você quiser dar a sua contribuição, Mariana, vê se no ano que vem participa do grupo que organiza a festa e o amigo-secreto.
-Azar se for homem ou mulher. Vou passar adiante aquele presente ridículo que eu ganhei…
Ótimo, Mariana. Assim você vira a inimiga-secreta número um. A colega que presenteou o respeitável senhor da manutenção com um creme pós-depilatório. A pão-dura que recicla presentes e nem se dá ao trabalho de desamassar a embalagem. Só não esqueça que pela mesma lógica você pode receber um lindo aparador de cabelo no nariz.
-O quê! De novo festa em sítio?
Por mais que você não goste, Mariana, muitas pessoas adoram o ar do campo. E no ambiente corporativo, algumas coisas são sacramentadas. Festa de fim de ano em sítio. Cafezinho em copo plástico para os de dentro e em xícara para os de fora. E-mail com corrente, vírus e mulher pelada.
E quer saber de uma coisa, Mariana? Vou devolver meu papelzinho agora. Tirei você, sua mala.
É Natal
1.Por motivos de ordem prática, a Mamãe Noel deu seu presente mais cedo para o Papai Noel: um lindo celular vermelho com cobertura global e o Jingle Bells de musiquinha. Ela sabia que ele era avesso às novas tecnologias – com tantas companhias aéreas, ainda preferia voar de trenó. Mas era o único jeito de garantir o seu Natal. Mamãe Noel estava cansada de comer o peru sozinha – e um peru tostado, de tanto requentar. Agora o Papai Noel podia telefonar para ela quando saísse da última chaminé, avisando que estava quase chegando em casa. Mesmo com o celular novo, Mamãe Noel esperou, esperou e nada. O peru torrou de vez. Nem os duendes quiseram comer. Como o Papai Noel andava meio distraído ultimamente, Mamãe Noel resolveu ligar. Atendeu uma voz de mulher. Vai explicar que era a rena do nariz vermelho, sempre solícita.
2.Na casa dos Nunes, os costumes natalinos eram diferentes. Depois de muitas festas que não deixavam nada para se pensar a não ser quem ia entrar no negativo do banco primeiro, os Nunes decidiram radicalizar. Como eles odiavam o lado comercial da data, inventaram uma comemoração que mais parecia um ritual de libertação. Depois da ceia, que era igual à de todas as outras famílias, os Nunes trocavam presentes vazios. Do lado de fora, embrulhos feitos com muito carinho, laços e fitas combinando com a cor do papel. E do lado de dentro, nada. Os Nunes abriam os presentes vazios, se abraçavam, se felicitavam e mostravam uns aos outros as embalagens que ganharam como se fossem os presentes mais bonitos do mundo. E eram.
3. Naquele ano, o Shopping bolou uma promoção diferente. Enquanto seus concorrentes prometiam sorteios de carros e DVDs nas compras acima de sessenta reais, o Shopping ia dar aos adultos um presente inesquecível: voltar a sentar no colo do Papai Noel. A idéia era boa, nessa época todo mundo ficava emotivo e a nostalgia seria uma excelente estratégia de vendas.
Sob os olhares perplexos das crianças, os adultos passaram a entrar na fila em bandos. À medida que se aproximavam da imponente poltrona de veludo vermelho, seus olhos começavam a brilhar de novo. E quando viam bem de pertinho o Papai Noel, o surpreendente acontecia: os adultos iam até o lugar onde os bebês deixavam suas chupetas e mamadeiras e largavam ali suas carteiras de cigarros e suas multas de trânsito. Tiravam fotos, sorriam, regrediam e cresciam ao mesmo tempo. A promoção foi um sucesso. No ano que vem, o Shopping só precisa contratar um Papai Noel com pernas mais fortes.
4.Marquinho acordou no meio da noite para tomar água e resolveu ir sozinho até a cozinha. Ele já era um moço, foi o que disse o Papai Noel algumas horas antes. Por isso, não precisava nem acender a luz. No meio do caminho, o menino ouviu um barulho estranho e já ia gritar manhêêêêê quando a encontrou na frente da geladeira, nua, aos beijos com ninguém mais, ninguém menos que o Papai Noel. Como os dois podiam fazer aquilo com seu pai? E com a Mamãe Noel, que deveria estar sozinha na Lapônia? Marquinho tapou sua boca para não gritar e correu em direção ao quarto do casal. O pai não estava lá. Quem sabe ele foi sequestrado pelas renas, para deixar o caminho livre para o tarado do mau velhinho? E pela bagunça que estava a cama, ele deveria ter lutado muito. Pobre pai! Será que ele conseguiria fugir com aquele monte de neve?
Na cozinha, a mãe do Marquinho tirava a roupa do Papai Noel e já fazia planos de fantasiá-lo de coelho na Páscoa. Há quanto tempo os dois não se divertiam tanto?
Antes do fim:
O texto acima é de Magali Moraes e foi retirado do site www.ipanema.com.br. Magali Moraes é publicitária e escritora. Publicou os livros Buffet e Quem nasceu para cintilante nunca chega a francesinha. Colunista da revista Advertising e do site www.argumento.net
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