segunda-feira, 7 de setembro de 2009

|Amanhã, não fará diferença|

Em meio as comemorações da Indendência do Brasil, o grande feriado Nacional, assistindo a alguma reportagem sobre os desfiles marciais (que não sei para que servem) lembrei que ontem fui assistir ao show do Arthur de Faria e Seu Conjunto no Teatro de Arena em Porto Alegre. Lembrei hoje de uma música em especial. Uma música que na verdade é a adaptação de um poema de Daniel Galera.

Daniel Galera é o autor do livro que originou o filme Cão sem Dono, sobre o qual já escrevi alguma coisa quando ocorreu o lançamento. O poema é de uma sensibilidade que me fez pensar em coisas que já penso. A música serviria de trilha para todas as viradas do ano. Pelo menos hoje serve (infelizmente). O poema é uma oração. Uma breve oração de virada de ano. Serve para pensar no orgulho nacional do sete de setembro e todas as coisas que nos fazem ficar tão orgulhosos de nosso estado humano frágil.

Breve Oração de Virada de Ano
(Arthur, sobre poema de Daniel Galera)

"Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem."
(Hilda Hilst, "Com os meus olhos de cão")

Deus, por favor não mais permita que os cachorros me dirijam olhares tristes por trás das grades do jardim das casas.
Deus, poupe-me também dos olhares tristonhos das empregadas que contemplam a cidade apoiadas nas sacadas dos prédios.
Tira, por favor, de todos os asilos, os adesivos do Ecco Salva afixados nas paredes.
Que as vastas platéias de cinema sejam ocupadas sempre por uma única pessoa, e que na saída do filme chova invariavelmente.
Bota fim, deus, a esse constrangimento injustificado que faz com que as pessoas desistam de foder e dar abraços, mesmo quando elas sabem que isto seria necessário.
Convence a todos da impossibilidade do amor, e observa enquanto descobrem o amor como a única possibilidade.
Quanto aos pecados capitais, peço que tornes a Gula compatível com a Vaidade, a Preguiça compatível com a Avareza, a Ira compatível com a Inveja, e que a Luxúria soterre as anteriores.
Acabe com a Aids, deus.
Que todos tenham plena consciência de que vão morrer definitivamente, e que na hora da morte não possam evitar um breve sorriso de desobediência infantil. E conserva os dentes dentro de nossas bocas,para que apodreçam conosco.
Que persista no tempo apenas aquilo que fomos capazes de criar.
Peço que amanhã de manhã, deus, eu seja acordado com o peso familiar de um certo corpo em cima do meu.
Que o sol invada minha barraca brando, resignado.
Então será o ano 2000, mas não fará diferença.

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