sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

|Antes que o ano acabe|

Certa noite de chuva

Chovia muito no último dia em que vi meu pai.
Eu estava com oito anos de idade e padecia na cama com 40ºC de febre. Amígdalas.

Meus pais tinham se desquitado havia já alguns meses.
Eu, meus irmãos e minha mãe morávamos num apartamento de um quarto na Assis Brasil. Ele foi nos visitar e deparou comigo tiritando sob a coberta.

Lembro com nitidez daquela noite, dele parado à soleira da porta do quarto, de pé, olhando-me, e minha mãe ao lado, com o papel da receita do médico na mão. Ele tomou a receita e ofereceu-se para ir à farmácia. Deu as costas para o quarto, mergulhou na escuridão do corredor e foi embora. Nunca mais o vi.

Logo depois ele se mudou para outro Estado, no Centro-Oeste, e lá construiu o resto da sua vida. Um dia de 2001 alguém me disse:

- Teu pai morreu ontem.

E eu não sabia o que sentir.

Não conto essa história com ressentimento. Porque acho que entendo o que aconteceu com meu pai, naquela noite de chuva. Ao sair do apartamento, ele de fato tencionava comprar os remédios.

- Vou comprar dois de cada! - recordo que disse.

Mas meu pai era alcoolista. Na rua, deve ter cruzado pela porta de um bar, ou com um amigo, e parou para beber. Quando deu por si, era tarde para ir à farmácia e tarde para desculpar-se. Continuou bebendo, gastou todo o dinheiro e, no dia seguinte, envergonhado, preferiu não dar notícias. Assim passou-se um dia, e outro, e mais outro. De repente, havia transcorrido tempo demais para voltar atrás ou para dar explicação. Meu pai não enfrentou a própria vergonha, isso não é incomum. Acontece. É compreensível.

O que sempre me enfeitiçou nessa história, que, afinal, é parte da minha própria história, não foi o detalhe da desistência do meu pai. Não foi o abandono. Foi o momento em que meu pai decidiu entrar no bar. Uma decisão tão aparentemente irrelevante, tão fácil de ser tomada, dar dois passos da calçada em direção a uma porta aberta, e, ao mesmo tempo, uma decisão tão crucial. Fico pensando em como a vida é repleta dessas pequenas deliberações que podem alterar rumos e mover destinos. Fico pensando em todas as palavras espinhosas não ditas, nas vezes em que o sinal amarelo não foi cruzado, em que o gatilho não foi apertado, em que não liguei para ela, nas chances que deixei passar, e nas vezes em que fiz tudo isso, por bem ou por mal. Um passo, uma palavra, um gole, um pedido de perdão que não foi feito, e tudo muda. Mudou para meu pai. Mudou para mim. Neste fim de ano, o que desejo a todos é isso, que o passo seja certo, que a palavra seja macia, que o gole valha a pena, que o perdão seja pedido. E concedido.



Antes do fim:
O texto acima é de David Coimbra. Ficará fixado aqui como um incentivo de que neste ano que chega, as pessoas possam fazer as coisas da maneira correta. E quando não for possível fazer da maneira correta, corrijam a tempo de não criarem feridas.

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quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

|Fotografia|

Hoje estava descarregando algumas fotos da máquina digital e fiquei pensativo... que coisa mais sem graça é tirar fotos hoje em dia. Bom é receber fotos que nem sabíamos que haviam sido tiradas.

Como era interessante aquela época em que as pessoas posavam para a foto e só descobriam se a foto realmente ia sair depois de revelado o filme. Ficava aquela expectativa.

Uma vez, antes do tempo do Julinho, na época do Isabel, fomos visitar alguns pontos turísticos de Porto Alegre em uma excursão do colégio. Eu gastei um filme inteiro tirando fotos dos colegas e dos lugares que visitamos. Todas as fotos queimaram.

A algumas semanas atrás eu fui acampar com o Grupo Escoteiro e tiramos uma foto igual aquela que foi tirada no finalzinho do filme "A Praia" em que todo mundo pula na hora de bater a foto na beira da prais. Tiramos esta foto em uma máquina à moda antiga. O filme ainda não foi revelado. As pessoas ficam curiosas e perguntam se o foto já ficou pronta. Tem uma expectativa.

Hoje para se ver um album de fotografias é necessário um computador ou uma TV conectada a um DVD ou algum outro mecanismo parecida. Senta todo mundo na frente e olha todo mundo junto, não tem o album passando de mão em mão. Não sei o que é mais legal. Eu na verdade nunca gostei muito de olhar foto.

Talvez passar o album de mão em mão renda mais histórias. Sempre tem aquela foto que para na mão de alguém e este alguém conta uma história sobre o dia em que a fotografia foi batida ou lembra quem bateu a foto. E sempre são boas histórias. É dificil lembrarmos de coisas ruins olhando fotos.

Escrevi isso porque hoje escutei uma música que me fez pensar em fotos.

Antes do fim:

Fotografia

Composição: Leoni, Léo Jaime

Hoje o mar faz onda feito criança

No balanço calmo a gente descansa

Nessas horas dorme longe a lembrança

De ser feliz

Quando a tarde toma a gente nos braços

Sopra um vento que dissolve o cansaço

É o avesso do esforço que eu faço

Pra ser feliz

O que vai ficar na fotografia

São os laços invisíveis que havia

As cores, figuras, motivos

O sol passando sobre os amigos

Histórias, bebidas, sorrisos

E afeto em frente ao mar.

Quando as sombras vão ficando compridas

Enchendo a casa de silêncio e preguiça

Nessas horas é que Deus deixa pistas

Pra eu ser feliz

E quando o dia não passar de um retrato

Colorindo de saudade o meu quarto

Só aí vou ter certeza de fato

Que eu fui feliz

O que vai ficar na fotografia

São os laços invisíveis que havia

As cores, figuras, motivos

O sol passando sobre os amigos

Histórias, bebidas, sorrisos

E afeto em frente ao mar.

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terça-feira, 11 de dezembro de 2007

|Naquele tempo do Julinho|

Teve aquela vez da viagem de final de ano do colégio. Passamos o ano inteiro discutindo onde seria ser a nossa viagem de Formatura no segundo grau. Programamos os lugares mais bacanas possíveis. Começamos com o sonho de consumo de grande parte dos formandos na época: a Ilha do Mel. Todo mundo mobilizado, vendendo rifa, pesquisando ônibus, agência de turismo, tudo certo. O dinheiro não deu.

Plano B.
Surgiram diversas alternativas de viagem para vários outros lugares. Não seria a mesma coisa, o pessoal já não estava com tanta vontade. A turma se desmobilizou, não queria mais fazer a viagem de final de ano. A formatura ficaria só pela cerimônia mesmo, sem grandes atividades.

A solução
Vamos ver quem esta querendo mesmo, juntamos um dinheiro e alugamos uma casa. Certo! Onde? Em Mariluz, uma prainha perto de Imbé. Pra quem ia passar o final de semana na Ilha do Mel, Mariluz esta de bom tamanho.

Acabamos indo em uma meia dúzia de colegas mais legais para uma casa simples em Mariluz. Choveu, a casa alagou, mas foi um dos finais de semana mais legais da minha adolescência. Até hoje lembro.

Turminha boa que se separou. Nunca mais conseguimos nos reunir. Nem bem nos falamos mais...

Antes do fim:

Carro e Grana - Leoni

Houve um tempo em que tudo girava ao meu redor
Dos meus desejos e vontades
E todo mundo ria de tudo que eu dizia
E eu dizia um monte de bobagens
Eu achava que tinha de tudo para sempre
Que eu tinha amigos de verdade
Mas a verdade sempre vem bater à porta
A gente tenha ou não vontade

Já tive carro e grana
E um monte de convites pra qualquer lugar
Hoje eu só ando a pé
Mas eu continuo a andar

E aquelas pessoas que andavam ao meu redor
Hoje escolheram uma menina
Que por enquanto acredita em tudo que eles dizem
É a mesma história toda vida
O que eu sei eu sei que ela só vai descobrir
Quando ela sair de moda
Um tropeço ensina mais do que o sucesso
E é tudo bem mais claro agora

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

|Tri|

Ontem peguei um ônibus equipado com o novo sistema de bilhetagem eletrônica de Porto Alegre. O nome do sistema é Tri, e o pessoal do ônibus já estava dizendo que a coisa é Tri lenta. Funciona assim: o passageiro que tem o cartão chega na roleta (que esta travada) encosta o cartão no sensor e libera a roleta. Simples? Na teoria é. As pessoas chegam na roleta e querem passar por ela, colocar a bolsa em cima do balcão do cobrador e procurar o tal cartão. A roleta esta trancada e começa a confusão. Para aqueles que não tem o cartão e pagam com dinheiro é a mesma confusão. O passageiro chega dá o dinheiro para o cobrador e tem que aguardar até o a roleta seja liberada. Não sei se a cobradora que era meio tosca ou o sistema não é rápido mesmo. As pessoas estavam dando o valor da passagem, a cobradora recebia, colocava o dinheiro no caixa e depois liberava a roleta olhando para a tela do equipamento e sinalizando com a mão para o passageiro passar. Resultado: Dez minutos na parada aguardando todo mundo entrar.
Outro problema: Agora todo o passageiro tem que passar pela roleta. Inclusive os idosos.

Antes do fim:
Muito bacana a homenagem que o Grupo RBS fez para a Casa de Cinema pela passagem do vigésimo aniversário da produtora.


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