segunda-feira, 19 de março de 2012

Quem realmente sabe das coisas

Somos 7 bilhões respirando sobre a superfície do planeta. Toda essa gente. De algum modo, inexplicável. Dias atrás, li na coluna do Paulo Sant’Ana que um médico lhe disse que beber refrigerante e cerveja faz mal. Certo, disso todo mundo já sabia. Mas o médico também disse que suco de frutas engorda, o que eu até havia lido em algum lugar, em outra oportunidade. Só que, para arrematar, o médico revelou que a água mineral faz mal. Que bem mesmo só o que faz é uma certa água ionizada, que não sei o que é nem onde se encontra. Considerando que nosso corpo é composto 70% por água, estamos muito mal. Eu, pelo menos, eu que ingiro pouco refrigerante, verdade, mas que consumo hectolitros de chope cremoso e gelado e dourado, e que bebo água sem que alguém a ionize preventivamente, eu devo estar mal. Os outros seis bilhões, novecentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove colegas de viagem pela Terra, também, suponho, pois duvido que muitos desses bebam apenas a tal água ionizada, tenho que achar isso em algum lugar.

Os que comem carne vermelha estão pior ainda, que carne vermelha faz muito mal. Os que se alimentam com carboidratos provavelmente estão deste tamanho. Pão branco? Nem pensar. Frituras? Afaste-se delas. Embutidos? Veneno puro. Açúcar causa cáries, mas adoçantes podem desenvolver câncer. Portanto, melhor não adoçar o café. Aliás, melhor não beber café, que tira o sono. Chá preto também tem cafeína e vinho tinto escurece os dentes. Saladas verdes não são boas para a digestão, chimarrão muito quente acaba em câncer no esôfago, feijão produz flatulência, que aumenta o buraco na camada de ozônio, que queima a pele, que fica com melanoma. Por sinal, é importante lembrar que o sol é responsável por 70% do envelhecimento da pele e a idade por 30%. Então, melhor não tomar sol e, quando sair de casa, o ideal é untar o corpo todo com protetor solar fator 60. O ar poluído das cidades modernas é terrível para os pulmões e, se o sedentarismo é mortal, a verdade irrecorrível é que correr pode estourar com as articulações, ainda que o corredor calce tênis com suspensão a ar.

Em resumo: beber, comer, tomar sol, respirar, ficar parado e correr, tudo isso faz mal à saúde. Some-se a esses perigos os trilhões de bactérias e vírus que estão em toda parte, até no recôndito das nossas entranhas, mais as guerras, os assaltos à mão armada, os acidentes de trânsito, os afogamentos, os incêndios, as quedas por diversas razões, as intempéries e as vinganças de cornos brabos, e o que resta é a perplexidade: como continuamos vivos e aos bilhões e cada vez em maior número?

Neste ponto, chegamos ao centro de tudo: a popularidade do sexo. Se, por algum motivo, as pessoas abandonassem a prática do sexo, logo deixaríamos de existir e cumpriríamos a receita para a felicidade prescrita pelo grande Schopenhauer: a extinção progressiva e indolor da Humanidade através da não reprodução. A castidade, tão pia, tão cristã, nos daria, a nós, terráqueos, a oportunidade de sumir lentamente do Universo. Logo, não haveria mais um único de nós, como já não há dinossauros, pássaros dodôs e hobbits. Seria a realização gloriosa dos ecologistas.

Mas, não. Nós não pensamos no bem comum, não pensamos na saúde do planeta, nós continuamos teimosamente nos reproduzindo. Olhe em volta: há gente por todo lado. Olhe mais adiante, para o além-mar: para a Índia, onde há um bilhão de seres humanos, para a China, onde há outro bilhão e meio. Ninguém se reproduz tanto quanto chineses e indianos. O que nos leva à inevitável conclusão de que em nenhuma outra parte do mundo o sexo é tão popular quanto na China e na Índia. Em outras palavras: nós, brasileiros, com nossa fama de liberais, com nossas mulheres dentro de biquínis mínimos ondulando feito serpentes douradas pelas franjas do litoral, nós que inventamos o motel para fins recreativos, nós que a cada fevereiro explodimos na orgia do Carnaval, nós com nossos travestis famosos no Bois de Bologne, nós com nossos malandros gingados, nossos lupanares feéricos, nossas mulheres-frutas, nós somos bandeirantes virginais perto de chineses e indianos. Quem sabe de sexo é o chinês com seus olhos amendoados, é o indiano detrás de seu bigode. Nós, não. Nós somos amadores; eles, profissionais.

Depois que descobrimos que a sede do verdadeiro futebol-arte é

Texto publicado no Zero Hora de ontem, 17/03/2012 na coluna do David Coimbra.

 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Casais que abdicaram de ter filhos

Mulheres revelam preconceito de que são alvo quando dizem que não serão mães

 

Lá se vão três décadas desde que a escritora feminista e historiadora Elizabeth Badinter colocou contra a parede a certeza de que toda mulher deseja ser mãe. Em L'amor en plus, que no Brasil ganhou o título de Um amor conquistado: o mito do amor materno (Ed. Nova Fronteira), a pesquisadora mostrou dados históricos que balançaram a relação mãe e filho.

 

A maternidade seria uma construção social e não um desejo natural. O livro é considerado um desaforo por conservadores que acreditam ser o instinto materno algo inquestionável. Mesmo assim, a discussão não cessou. Pelo contrário, a voz da autora francesa se juntou a de outras mulheres que reavaliaram a maternidade como uma dádiva.

 

A partir da década de 1990, mais brasileiros têm repensando o combo casamento + filhos. Não só por uma questão financeira, uma vez que os gastos com apenas um filho pode corresponder a 40% do orçamento familiar, segundo o educador financeiro Reinaldo Domingos, mas simplesmente porque a vinda do primogênito não está nos planos. As razões são diversas e apontam para um caminho ainda visto com certo preconceito.

 

Piscina gelada

A metáfora do servidor público Hugo Garcia, 28 anos, ilustra uma situação pela qual nem ele nem a mulher, a servidora Patrícia Luque, 37, gostariam de passar. "Ter filhos é como pular em uma piscina gelada. Quando se mergulha nela, tenta-se convencer os outros de fora a entrar dizendo: "Como está gostoso aqui", brinca Hugo. Mas o casal não entrou nessa "fria". Casados há cinco anos, não precisaram quebrar a cabeça quanto a ter ou não uma criança em casa.

 

— No começo, falamos sobre isso. Foi um ponto em comum. Eu nunca quis, nunca me vi grávida, e ele também não queria ser pai.

 

A ideia de que a liberdade do casal ficaria por um fio por causa de um bebê é o que mais dá certeza aos dois de que felicidade é permanecer a sós.

 

— Observamos que o assunto do casal que tem filhos é só o filho. Todas as questões da casa são por conta dele. É ele quem dita para onde você vai. Você não pode viajar para qualquer lugar e em qualquer época do ano por causa da dinâmica do filho. É essa responsabilidade que não anima a gente — justifica Hugo.

 

Acordar a hora que quiser, não se preocupar se a geladeira está cheia ou não — eis alguns dos motivos triviais que desestimulam Hugo e Patrícia a dar esse passo. Mas quando perguntam ao casal se a opção por não ter filhos passa pela questão financeira, eles afirmam em uníssono: "Não".

 

— Esse nunca foi um argumento nosso. Até porque crescemos sem muito luxo, da forma que deu. Hoje temos condição financeira de ter filho, ainda que agora esteja um pouco mais apertado porque abrimos uma nova empresa. Por isso, essa nunca foi uma justificativa preponderante — conta Hugo.

 

O educador financeiro Reinaldo Domingos também descarta a "desculpa" da condição financeira quando escuta jovens casais dizerem não ter filhos porque falta dinheiro.

 

— Assim, como ter filhos é uma opção, também é uma opção se preparar e ter reservas financeiras mensais, e isso se faz por meio da educação financeira. Por isso, não se pode tomar a decisão de ter filhos sem antes saber que é demandado, no mínimo, 30% do ganho líquido mensal para proporcionar uma vida saudável e financeiramente sustentável. Acredite, se fizer uma boa faxina financeira em tudo que se consome em casa, certamente encontrará de 20% a 30% de excesso em tudo. Se houver disciplina e perseverança, é possível ter filhos — constata Domingos.

 

Salário versus filho: 2 X 0

 

No Brasil, o grupo dos sem-filhos ganhou uma abreviação, dinc, que quer dizer "duplo ingresso, sem crianças". Trata-se de uma adaptação da expressão em inglês dink, "double income, no kids". Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), em 1996, a família dinc representava apenas 2,7% do total de domicílios, passando para 3,7% em 2006. Um crescimento de quase 90% em uma década. O número de brasileiros que optaram por não ter filhos saltou, portanto, de um milhão para 1,9 milhão no período.

 

Essa fatia da população pode ser ainda maior, indica a Síntese de Indicadores Sociais 2010 (dados de 2009). Dos 62,3 milhões de arranjos familiares no Brasil, 15,2% são de casais sem filhos e sem parentes. Em Santa Catarina, esse percentual chega a 19,9% (maior), enquanto no Amapá é de apenas 9,7% (menor). Em Brasília, a porcentagem chega a 12,6%. Os dados, porém, não são conclusivos, uma vez que não discernem entre arranjos familiares de casais sem filhos e casais cujos filhos já saíram de casa.

 

Um retrato mais apurado da realidade só quando o próximo Censo for divulgado.

Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acreditam estar diante de um fenômeno social. Além da família que predominou historicamente — pai, mãe e filhos —, outras formações como a dinc merecem atenção.

 

Segundo a pesquisa A família dinc no Brasil — algumas características sociodemográficas, publicada pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas em 2010, os casais sem filhos colocam em xeque os pilares da instituição familiar pois não há continuidade geracional.

 

Esse seria, segundo a pesquisa, reflexo de uma sociedade pós-industrial e pós-moderna. Quer dizer, fatores como a inserção da mulher no mercado de trabalho, a criação de métodos anticonceptivos e o reconhecimento de diferentes tipos de união geram mudanças na família e, por isso, pedem reflexões.

 

A sós e em grupo

São vários os grupos de discussão em redes sociais cujo objetivo é legitimar a escolha dos casais dinc. A rede passou a abrigá-los e um dos casos mais populares é o clube No kidding, fundado pelo professor canadense Jerry Steinberg, casado e sem filhos. Ele também derruba a teoria de que "pessoas que não querem ter filhos odeiam crianças".

 

Pelo contrário, Jerry adora os pequenos, mas não em tempo integral. Em 1984, esse canadense teve a ideia de montar um clube para casais na mesma situação. Tudo começou quando ele passou a sentir falta dos amigos, que se distanciaram após a chegada dos primogênitos. Atualmente, o clube tem mais de 40 filiais espalhadas em quatro países. São aceitos como membros aqueles que não querem ter filhos, os que não podem tê-los e os que estão indecisos.

 

Depois de quase 30 anos, Jerry não está mais à frente da agremiação. Ele se aposentou, mas se orgulha da continuidade do projeto. Ainda hoje, quando o professor canadense escuta que não ter filhos é escolha de gente egoísta, rebate:

 

— É. Mas as pessoas têm filhos por razões bastante egoístas: por prazer, para cuidar delas na velhice, para ter alguém para amar e amá-las de volta, para viver coisas que não puderam viver quando eram crianças, para exercer poder sobre alguém, para dar continuidade ao nome da família. O que é mais egoísta que fazer um mini-eu?" (Confira: www.nokidding.net)

 

Maternidade ou não

 

Da mesma forma, a escritora gaúcha Martha Medeiros, mãe de duas filhas, aconselha as amigas a refletir muito sobre o tema. Questionada sobre o que achava dessa opção, escreveu a crônica Maternidade ou não, publicada no livro Coisas da vida (Ed. L&PM Pocket). "A gente nunca sabe como teria sido se… É por isso que, neste caso, compensa queimar bastante os neurônios antes de decidir. Não dá para pensar no assunto levando-se em conta apenas o momento que se está passando, mas o contexto geral de uma vida. Porque não ser mãe também é para sempre."

 

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/donna/noticia/2012/03/dia-internacional-da-mulher-historias-de-casais-que-abdicaram-de-ter-filhos-3685178.html